CHATO É O SEU RACISMO!
5 de setembro de 2020
OS OLHOS CONDENAM, MAS A LUTA ABSOLVE
Quem quiser explicar a um amigo o que é “racismo estrutural” (pense naquele amigo teimoso, que acha que o discurso da luta racial no Brasil é “mimimi”), deve contar a história de Luiz Carlos Justino. O músico da Orquestra de Cordas da Grota foi preso na última quarta-feira após ter sido “reconhecido” pela vítima de um assalto, um crime cometido há dois anos. A família estranhou: ele não tem antecedentes criminais, é calmo, bom filho, bom marido, bom pai e dedicado ao seu ofício. Os familiares foram investigar o caso e descobriram que ele de fato não poderia ter cometido o crime, porque na hora e na data em que o assalto ocorreu estava trabalhando, tocando violino com outros músicos. Os funcionários do estabelecimento onde eles tocavam podem confirmar sua presença e há também um vídeo que prova a apresentação. Mesmo assim, ele segue preso.
A prisão de Luiz Carlos é preventiva! Sim, porque afinal ele não foi julgado para ser condenado! Prisão preventiva é um recurso da justiça para retirar das ruas alguém que ofereça risco à sociedade ou que possa prejudicar as investigações, antes do julgamento. A prisão preventiva demorou a levar Queiroz e sua esposa para a cadeia, mas foi rápida na apreensão do músico da Grota que nunca fez mal a ninguém, nem à vítima de um assalto que não poderia ter cometido. O “risco” que Luiz Carlos oferece à sociedade, portanto, na visão de quem o prendeu, é apenas a sua cor e a região onde ele mora.
E se não cometeu o crime, por que raios Luiz Carlos foi identificado? Bem... permitam-me neste ponto uma analogia: Cito um documentário da Netflix chamado “Olhos que condenam”. O filme conta a história de cinco homens negros norte-americanos que passaram a vida presos por um crime que não cometeram (eles foram absolvidos recentemente, graças aos exames de DNA). Na época, a única “prova” contra eles era o depoimento de testemunhas que os “reconheceram”. E se hoje se sabe que eles são inocentes, a única explicação para esse reconhecimento enganoso está no título original em inglês: “When they see us”, ou seja, “quando eles nos veem” não nos enxergam de fato. Luiz Carlos foi vítima de olhos racistas, que não conseguem distinguir como indivíduos os sujeitos negros que estão diante dos seus olhos.
Só que hoje a militância é forte! Nós vamos tirar você dessa cadeia injusta, Luiz! Estamos juntos na mesma causa antirracista (que é um braço do antifascismo). A gente tá junto numa luta que é muito mais do que uma hashtag, é a crença de que todo mundo tem que ser visto como alguém que mereça o mesmo respeito. Todo mundo merece as mesmas condições de justiça! Todo mundo é inocente até que se prove o contrário! E pra quem acha que é chato ficar falando de vidas negras, de movimentos sociais e de racismo estrutural, fica aqui um recado: CHATO É O SEU RACISMO!
[Edit. O juiz André Nicolitt acaba de revogar a prisão de Luiz Carlos! Essa vitória é de todos nós, nós que acreditamos na dignidade humana e na igualdade de direitos! #vidasnegrasimpotam #blacklivesmatter]
Marcelo Brandão Mattos