27 de junho, RIP Arthur Xexéo
Estávamos no final nos anos oitenta. Meu pai era assinante do JB e dizia com orgulho que o jornal era pura resistência e que, se não o apoiássemos, contribuiríamos para a consolidação do monopólio O Globo (a treta era ainda o ressentimento acerca de o grupo Globo ter apoiado o golpe militar, além - é claro - da luta contra toda forma de controle midiático). Eu tomava a lição, devorando o JB, e ali conheci o colunista Artur Xexéo, seu estilo ácido, debochado, irreverente, quase escrachado. Encantei-me com a possibilidade de escrever no espaço de um jornal do mesmo jeito que eu brincava de dizer com os meus amigos.
Um dia, anos depois, Xexéo sumiu. Revirei o JB pra ver se a sua coluna havia mudado de lugar na diagramação e nada. Ele simplesmente não estava. Comentei com meu pai, que me disse, em tom melancólico, que havia um boato de que o colunista tinha sido comprado pelo O Globo (meu pai disse “comprado” assim mesmo, de um jeito crítico). Eu não quis acreditar, esperei o JB do dia seguinte e nada de Xexéo. Num gesto de desespero, mesmo que sem grandes esperanças, resolvi escrever um e-mail para o meu colunista preferido (na época o e-mail era o nosso WhatsApp), dizendo que eu não podia acreditar que ele se “vendia” para O Globo. Dois dias depois, quando abri o e-mail, mal pude acreditar: Xexéo me respondia. Seu e-mail começava assim (nunca esqueci): “Não sei nem como te dizer isso…”, ele me antecipava sua ida para O Globo e a falência do JB. (Acho que na época ninguém tinha consciência de que a internet seria um dia documento para futuros processos. Guardei nosso segredo.)
Nos primeiros meses, fiquei sem Xexéo, com um JB cada vez mais minguado, mas depois nos rendemos (falo também em nome do meu pai) ao poderio de O Globo e, torcendo o nariz, voltei a ler um Xexéo que eu não reconhecia. “Você está muito contido, foi engolido pela máquina Globo”, escrevi para ele. Esse e-mail ele nunca respondeu. Sabia que eu tinha razão. Ninguém consegue ser totalmente espontâneo no gigantismo da Globo, nem Faustão conseguiu (quem viu Perdidos na Noite sabe do que eu estou falando). Mas também é verdade que Xexéo foi encontrando um caminho intermediário e, com isso, me provou que ele era um escritor versátil, um exemplo que eu deveria tomar como modelo.
Hoje, a morte de Xexéo é para mim a morte de um ídolo. Despeço-me de uma das maiores referências da escrita em minha vida. Sim, porque as influências de um escritor vão além do cânone literário. É no jornalismo que a gente bebe na fonte de água nova, aonde a gente se inspira para levar à literatura a novidade do tempo em que vive. Nunca mais escrevi para Xexéo (que talvez tenha se tornado ocupado demais para mim), e hoje me ressinto disso. Faltou lhe dizer que grande parte da minha ironia é dele (a outra é de Machado e Veríssimo). Aprendi com ele a usar os parênteses. Com ele, entendi que o erudito gosta do pop. Se passei a gostar de ler, muito devo a ele. Aprendi muito, mas muito ainda do seu traço não sei fazer. Quero ainda a sua síntese. Quero aprender com Xexéo a fazer do simples a sofisticação.
Obrigado, mestre, por ter sido o meu querido colunista. Vá com a certeza de que a sua escrita persiste em muitos como eu, que são em parte aquilo que aprenderam a ler com você.
Marcelo Brandão Mattos
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